terça-feira, 26 de abril de 2011

Saudades de um tricolor

“Eu preciso ganhar essa camisa porque ela me faz lembrar de meu avô Genésio. Vovô Genésio era uma pessoa bem educada, embora fosse considerado por todos como um cara razinza e muito bravo. Mas, ao menos com os netos, ele era bom. Sempre dava dinheiro para a gente comprar doces, brinquedos e, é claro, levava-nos para a Fonte, semanalmente, para ver o Bahia jogar (do jeito rabugento e reclamando de tudo). Bem verdade que dos 5 netos dele, apenas eu e meu irmão gostávamos do programa futebolístico dominical, pois durante a semana ele e nunca ía aos jogos, devido ao costume de dormir cedo: “futebol uma hora dessas? De jeito nenhum!” – retrucava. E foi assim que vovô Genésio foi habituando-nos a ir ao estádio e criar a paixão pelo clube da terra: o glorioso Esporte Clube Bahia.

Chegamos à semifinal na Fonte contra o Flu carioca. Fonte lotada!!! Vovô foi pro sol (antiga Boca Quente/Bamor) comigo e com meu irmão. Sentamos no colo dele (um em cada perna), pois estávamos espremidos. Vovô tenso, mas confiante. Veio o gol do Flu e bateu o desespero nele: “não é possível, meu Deus, temos um time melhor do que o deles, temos que nos classificar”. Aquele desespero dele se transferiu pra mim. Rezei como nunca. Pedi a Papai do Céu uma vitória para tranquilizar meu avô. 

E ela veio de forma sensacional. Quando acabou o jogo, vovô jogava a gente para cima, numa alegria até então desconhecida para mim. Às vezes, penso eu, o esporte pode fazer coisas inimagináveis. Esta cena está viva para sempre em minha memória. Nunca esqueci e guardo sempre comigo.

Quando chegou o domingo, 19 de fevereiro de 1989, meu avô preparou uma verdadeira festa com o pessoal da rua. Muita cerveja, feijoada, guaraná e, é claro, a boa e velha televisão no centro do salão. O jogo começou nervoso, com os dois times se estudando e esperando o erro do adversário. Vovô estava tenso. Minha mãe tentava acalmá-lo a todo instante, mas o velho sempre mandava ela ficar quieta. Eu ria da situação. 'Seu' Genésio odiava que ficassem em seu pé. Quando acabou o primeiro tempo, vovô ficou mais tranqüilo. Ele profetizou: “Este time do Inter não vai fazer gol na gente. Ronaldo vai pegar até pensamento e vamos ser campeão (sic)”. 

Dito e feito. Ronaldo segurando tudo lá atrás e o time se comportando muito bem. Aí outra cena inesquecível foi quando deu 40 minutos do segundo tempo. Vovô saiu do salão e foi pra casa com seu inseparável radinho. Não queria assistir a mais nada. Reclamou do velho Evaristo quando sacou Bobô para a entrada de Osmar e depois saiu à francesa. Quando acabou o jogo, muita festa e muita gritaria na rua; fui ao encontro do velho Genésio e o vi no canto do quarto. Ele estava rezando e com os olhos mareados. Corria uma lágrima no canto do olho. Entrei sorrateiramente sem ele ver. De repente ele se vira e me vê, toma um susto e fala pra mim: “nunca conte isto a ninguém viu, Dan?”. Ele era austero e bravo demais pra se comover daquele jeito e não queria que ninguém soubesse que ele estava chorando. Pediu depois que eu saísse e se trancou no quarto. Prometi e nunca mencionei esta situação até hoje lá em casa.
 
Três anos depois, Genésio Ferreira dos Reis faleceu em decorrência de um câncer e quem chorava era eu. Muitas lembranças daquele senhor de cabelos alvos, corpo desengonçado, bravo, mas com um coração de ouro. Era meu padrinho e companheiro de todas as horas. Inteligente, desistiu de estudar para Medicina para trabalhar como funcionário público, não obstante curasse todos os funcionários e família sem cobrar-lhes um tostão: “quem não vive para servir, não serve para viver”, era a sua máxima. Muitos gostavam, mas eu realmente o admirava. E já no seu leito de morte, ele me perguntou: “Quanto tá o jogo do Bahia?” O Bahia jogava e ganharia novamente do Internacional, mas meu avô perderia a batalha contra a vida 4 dias depois..."

Daniel Reis Dantas
Um dos textos vencedores da promoção da camisa retrô personalizada do ídolo Bobô. 

7 comentários:

  1. Mereceu prêmio. História sensacional.
    Juli

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  2. Parabéns Daniel... Vc realmente mereceu esse prêmio, trabalhamos e eu sei o quanto é fanático por esse time. Abraços Ana Paula.

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  3. Como eu sempre disse:
    se todas as religiões do mundo e todos os políticos fossem fiéis como você é ao seu Bahia...O mundo seria uma potência de perfeição.
    Parabéns!!!
    P.S:Leide

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  4. Simplesmente sensacional meu amigo!!! Desde quando lhe conheci percebi o quanto seu Bahia era sua alegria. Mas diante ao relato, sem sombra de dúvidas merecestes com todas formalidades de vencedor. Não és apenas uma história para conquistar uma camisa, és uma história que faz parte do seu Bahia, que arrancou lágrimas deste senhor de cabelos alvos, corpo desengonçado, bravo, mas com um coração de ouro. E mais do que nunca estas lembranças forão revividas e mais uma vez a felicidade renovada.
    Parabéns!!!! Beijos e Abraços Joce

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  5. E ai Danbahia....
    Não tive o prazer de conhecer o ranzinza avô Genésio, mais com certeza era muito inteligente, principalmente por ter apresentado e estimulado a religião tricolor, só lembrando, os netos são dois desengonçados.
    Parabéns Danbahia
    Ph66

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  6. Parabéns, Daniel!!!
    Texto belíssimo, comovente, emocionante!!!
    Agora eu sei a origem da sua PAIXÃO pelo Bahia, né?!
    Você e seu texto, com certeza,são merecedores desse prêmio!!!



    Flávia Patricia

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  7. Nossa que história massa!!!! Por isso q ser Bahia é diferente

    Edésio Reis

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