“Eu preciso ganhar essa camisa porque ela me faz lembrar de meu avô Genésio. Vovô Genésio era uma pessoa bem educada, embora fosse considerado por todos como um cara razinza e muito bravo. Mas, ao menos com os netos, ele era bom. Sempre dava dinheiro para a gente comprar doces, brinquedos e, é claro, levava-nos para a Fonte, semanalmente, para ver o Bahia jogar (do jeito rabugento e reclamando de tudo). Bem verdade que dos 5 netos dele, apenas eu e meu irmão gostávamos do programa futebolístico dominical, pois durante a semana ele e nunca ía aos jogos, devido ao costume de dormir cedo: “futebol uma hora dessas? De jeito nenhum!” – retrucava. E foi assim que vovô Genésio foi habituando-nos a ir ao estádio e criar a paixão pelo clube da terra: o glorioso Esporte Clube Bahia.
Chegamos à semifinal na Fonte contra o Flu carioca. Fonte lotada!!! Vovô foi pro sol (antiga Boca Quente/Bamor) comigo e com meu irmão. Sentamos no colo dele (um em cada perna), pois estávamos espremidos. Vovô tenso, mas confiante. Veio o gol do Flu e bateu o desespero nele: “não é possível, meu Deus, temos um time melhor do que o deles, temos que nos classificar”. Aquele desespero dele se transferiu pra mim. Rezei como nunca. Pedi a Papai do Céu uma vitória para tranquilizar meu avô.
E ela veio de forma sensacional. Quando acabou o jogo, vovô jogava a gente para cima, numa alegria até então desconhecida para mim. Às vezes, penso eu, o esporte pode fazer coisas inimagináveis. Esta cena está viva para sempre em minha memória. Nunca esqueci e guardo sempre comigo.
Quando chegou o domingo, 19 de fevereiro de 1989, meu avô preparou uma verdadeira festa com o pessoal da rua. Muita cerveja, feijoada, guaraná e, é claro, a boa e velha televisão no centro do salão. O jogo começou nervoso, com os dois times se estudando e esperando o erro do adversário. Vovô estava tenso. Minha mãe tentava acalmá-lo a todo instante, mas o velho sempre mandava ela ficar quieta. Eu ria da situação. 'Seu' Genésio odiava que ficassem em seu pé. Quando acabou o primeiro tempo, vovô ficou mais tranqüilo. Ele profetizou: “Este time do Inter não vai fazer gol na gente. Ronaldo vai pegar até pensamento e vamos ser campeão (sic)”.
Dito e feito. Ronaldo segurando tudo lá atrás e o time se comportando muito bem. Aí outra cena inesquecível foi quando deu 40 minutos do segundo tempo. Vovô saiu do salão e foi pra casa com seu inseparável radinho. Não queria assistir a mais nada. Reclamou do velho Evaristo quando sacou Bobô para a entrada de Osmar e depois saiu à francesa. Quando acabou o jogo, muita festa e muita gritaria na rua; fui ao encontro do velho Genésio e o vi no canto do quarto. Ele estava rezando e com os olhos mareados. Corria uma lágrima no canto do olho. Entrei sorrateiramente sem ele ver. De repente ele se vira e me vê, toma um susto e fala pra mim: “nunca conte isto a ninguém viu, Dan?”. Ele era austero e bravo demais pra se comover daquele jeito e não queria que ninguém soubesse que ele estava chorando. Pediu depois que eu saísse e se trancou no quarto. Prometi e nunca mencionei esta situação até hoje lá em casa.
Três anos depois, Genésio Ferreira dos Reis faleceu em decorrência de um câncer e quem chorava era eu. Muitas lembranças daquele senhor de cabelos alvos, corpo desengonçado, bravo, mas com um coração de ouro. Era meu padrinho e companheiro de todas as horas. Inteligente, desistiu de estudar para Medicina para trabalhar como funcionário público, não obstante curasse todos os funcionários e família sem cobrar-lhes um tostão: “quem não vive para servir, não serve para viver”, era a sua máxima. Muitos gostavam, mas eu realmente o admirava. E já no seu leito de morte, ele me perguntou: “Quanto tá o jogo do Bahia?” O Bahia jogava e ganharia novamente do Internacional, mas meu avô perderia a batalha contra a vida 4 dias depois..."
Daniel Reis Dantas
Um dos textos vencedores da promoção da camisa retrô personalizada do ídolo Bobô.