sexta-feira, 18 de abril de 2008

Raio-X das lesões no futebol


Leandro Silva

"Jogador de futebol que não tem dor não é jogador de futebol". A declaração do atacante Luisão, campeão com a Seleção Brasileira na Copa de 2002, é cada vez mais verdadeira se for analisado o alto número de lesões que vitimaram muitos craques pelos gramados no mundo, alguns nunca mais voltando a brilhar.

O atacante se recupera de uma lesão no ligamento cruzado anterior do joelho. Ele já fez nove cirurgias em sua carreira e quer voltar a jogar. Lesões que não deixam de ser paradoxo para o esporte, que tem a finalidade de gerar e não diminuir a saúde.

O futebol é um esporte de contato, mas isso não é determimante para lesões graves, no entendimento de especialistas em Medicina Esportiva. “A maior incidência das lesões ocorre nas contusões, nos traumatismos, mas não são necessariamente as mais graves. Nestas, muitas vezes, a pessoa está sozinha”, afirma Marcos Lopes, do Bahia.

“A lesão muito freqüente no joelho é no ligamento cruzado anterior. É grave, mas quase sempre não ocorre por trauma provocado pelo choque entre atletas”, complementa Rodrigo Vasco da Gama, médico do Vitória e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho.

Outras lesões freqüentes, para os médicos, são as ligamentais ou meniscais nos joelhos, as musculares e as entorses. E em menor freqüência, mas também graves, as fraturas e o rompimento do tendão de aquiles, que vitimou Preto, do Bahia, em 2007.

Companheiro de Luisão na Copa de 2002, Ronaldo entristeceu o mundo, mais uma vez, em 13 de fevereiro, quando caiu sozinho e teve outro rompimento do tendão patelar do joelho, agora o esquerdo. A imagem da queda solitária é quase um símbolo da fragilidade do corpo humano diante das exigências do futebol profissional moderno.

“A gravidade da lesão não depende do trauma direto. E as lesões tendíneas, como a de Ronaldo, por exemplo, principalmente no joelho, são as mais graves”, diz Marcos Lopes.

As contusões musculares também não necessitam de contato. Quem esquece quando Romário interrompia o seu tradicional pique, colocava a mão na coxa ou na virilha e deixava o gramado imediatamente?

O grande número de saltos, giros, mudanças bruscas de direção e velocidade torna o futebol um esporte com alto índice de lesões indiretas.

Vilões – Rodrigo Vasco da Gama não acredita que tenha aumentado o número de lesões graves no futebol. “Acho que seja uma fase. Ultimamente, alguns atletas vêm sofrendo lesões, mas eu não acredito que tenha aumentado, não”, opina o médico.

Mas quais seriam as causas das lesões, mesmo que elas não tenham aumentado? Alguns vilões apontados são o excesso de jogos, a carga excessiva de treinamentos e os tipos de chuteira.

“O tipo de treinamento é fator importantíssimo na soma das lesões. Treinamento e condicionamento. Quanto mais o indivíduo treina, quanto menor o intervalo de um jogo para outro, maior o risco de lesão. E quanto pior o condicionamento, maior o risco de lesão”, diz Marcos Lopes.

Vasco da Gama também enaltece a importância de um bom condicionamento físico. “Um atleta bem condicionado fica menos vulnerável às lesões. Se ele não estiver bem condicionado, pode ter uma lesão qualquer muscular, com um mínimo de esforço”, diz.
ênfase física – Sinval Vieira, ex-diretor do Vitória, conta que na época em que trabalhava nas divisões de base do clube, um dos problemas físicos mais recorrentes nos jogadores era a pubalgia, causada pelo excesso de preparação física.

Para o médico Rodrigo Vasco da Gama, as queixas procedem, pois o excesso de trabalho nos clubes favorece o desgaste dos ligamentos e causa realmente problemas no púbis.

“Um jogador que atua 90 minutos precisaria pelo menos de 48 a 72 horas sem atividade para recuperar as micro-lesões. Pode fazer regenerativo, mas treinamento com bola, não”, explica Marcos Lopes.

“A gente acabou com os coletivos no Bahia. Antes, quando o time jogava no domingo, os treinadores faziam coletivo na terça, para jogar na quarta. Coletivo é uma partida de futebol. Hoje, o time joga domingo, faz regenerativo na segunda, técnico tático na terça para jogar quarta. É o perfeito, porque quanto mais aumenta a carga, ela vai lesando devagar o músculo até que ele explode. Tanto o músculo quanto os tendões e a cartilagem”.

O excesso de partidas no ano é outro ponto em que os médicos dos dois clubes concordam como sendo um dos principais agentes causadores de lesões. Para eles, o ideal seria um jogo por semana.

Chuteiras – Eles discordam apenas quanto à possibilidade de determinados modelos de chuteira contribuírem para as lesões nos joelhos.

“Alguns predispõem que jogadores tenham esse tipo de lesão. O ideal seria a chuteira se adaptar ao seu pé e não o seu pé à chuteira. Mas a grama alta e determinados tipos de solo também favorecem o surgimento de lesões”, avalia Marcos Lopes.

Rodrigo Vasco da Gama discorda: “Não tenho experiência para falar disso, mas acho que não tem influência, não. Algumas são mais confortáveis que outras, mas não acho que contribuam para lesões, não”.

Marcos Lopes explica como a chuteira pode influenciar. “Quanto maior a trava, maior o risco de lesão, principalmente nos joelhos. A aderência maior força mais o joelho. Vai progressivamente agredindo o ligamento até a hora em que ele rompe”.

O médico do Bahia diz que muitos jogadores do elenco do clube procuram dicas sobre chuteiras com ele. “Inclusive, oriento a eles que, quando comprarem uma chuteira, usem nos treinos antes. O certo é o jogador nunca usar uma chuteira nova no jogo”, aconselha Marcos Lopes.

E existem tipos de chuteira ideais para as características dos jogadores? “Depende da posição do atleta. Por exemplo, em jogador rápido como Pantico, a trava deve ser menor. Para jogador de defesa, geralmente, a trava deve ser maior. Isso muda quando está chovendo, aí a trava é sempre maior”, explica Marcos Lopes.

Para escapar – No entendimento de Marcos Lopes, não dá para detectar uma predisposição em um atleta para determinados tipos de lesão. “O que a gente sabe é que, quanto mais leve, mais magro, o jogador corre menor risco de lesão. Veja a quantidade de pancada que Pantico toma, raramente fica afastado. Naldinho era a mesma coisa. Quanto mais pesado e menos flexível o atleta, maior o risco de lesão”, explica.

O médico tenta dar a receita para que os jogadores-leitores de ATEC driblem as lesões. “Primeiro é preciso um bom condicionamento físico. O atleta bem condicionado tem um menor risco de lesão. Segundo, um espaço de tempo maior entre os jogos. Terceiro, um gramado de boa qualidade. Quarto, uma chuteira de boa qualidade e alongamentos e fortalecimentos musculares”.

“Na verdade, a gente tem que diferenciar atleta de jogador. Quanto mais atleta, menos lesão. Quanto mais jogador, mais lesão, finaliza Marcos Lopes.

Matéria publicada originalmente no Jornal A Tarde do dia 16/03/2008
LEANDRO SILVA
é jornalista esportivo e escritor, autor do livro A União de uma Nação, sobre o título brasileiro de 1988, conquistado pelo Bahia, e mantém o blog www.leandrosilva81.blogspot.com